Agricultura familiar baiana vende 60 mil quilos de umbu beneficiado para programas sociais

Trabalhar de forma sustentada no semi-árido tem sido a estratégia utilizada por organizações de agricultores e agricultoras familiares, orientados por organizações não-governamentais de toda a região semi-árida brasileira.

Desenvolver e utilizar tecnologias realmente adaptáveis ao clima e solo da Região Nordeste do Brasil tem sido a prática cotidiana das entidades a exemplo da Organização Não-governamental IRPAA- Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada com sede na cidade de Juazeiro-BA que á 13 anos vem trabalhando experiências sustentáveis junto aos agricultores baianos e, integrada com as diversas outras organizações vinculadas a ASA-Brasil, Articulação do Semi-árido Brasileiro.

No domingo 21 de março de 2004 o Programa Domingo Rural da Rádio Serrana de Araruna AM 590 kHz, conversou com a assessora técnica do IRPAA, Elizabete de Oliveira Costa, sobre as ações desenvolvidas na região da Bahia e também dentro de um contexto de semi-árido brasileiro.

De forma inédita, Elizabete falou para os ouvintes 590, sobre um contrato de compra e venda celebrado entre as organizações de agricultores e o governo federal. O governo federal, através da CONAB, Companhia Nacional de Abastecimento, segundo Elizabete, responsabilizou-se pela compra e pagamento antecipado de 60 mil quilos do produto beneficiado do umbu, que serão distribuídos nos programas sociais das prefeituras baianas. Durante cerca de 50 minutos, ela falou para os ouvintes da emissora que estão distribuídos pelo Brejo, Curimatau e parte dos Cariris Velhos da Paraíba e Agreste e Trairí do Rio Grande do Norte, evidenciando a importância de uma cultura tipicamente brasileira e que tem as características e resistência ao clima da região semi-árida.
D R – Como está o processo de organização dos agricultores no semi-árido baiano?
E C – Estamos trabalhando e organizando-os, pois entendemos que o trabalho isolado não é sustentado, de forma que a tendência é fazer sempre com que os agricultores trabalhem de forma coletiva e, façam diferente do que era feito à anos atrás, onde eles possam determinar de forma consciente o que, quando, onde e para quem devem plantar, buscando facilitar e melhorar o trabalho e a vida dos agricultores e agricultores familiares de toda nossa região.
D R – A gente fala sempre sobre organizações não-governamentais com suas lutas em parceria com as famílias de agricultores. O que é o IRPAA?
E C – O IRPAA é uma organização não-governamental que significa Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, foi criada à 13 anos e tem o objetivo de acompanhar as famílias dos pequenos agricultores e agricultoras no semi-árido como um todo. Temos sede aqui em Juazeiro-BA com ação em nível de semi-árido, sejam os Estados nordestinos e o Norte de Minas Gerais.
D R – Como é que foi começar um trabalho corpo-a-corpo com os agricultores, em parte, influenciados pelas campanhas da grande mídia e do mercado de consumo industrial?
E C – Ao longo do processo e diante das dificuldades que a comunidade enfrentava em torno de sua organização, produção e vivência de trabalho em grupo sem uma produção adequada é que começou um grupo de pessoas vê isso, organizar e estudar o que estava acontecendo e o que estava faltando nestas e para estas famílias… Então, quando vinha a seca , se notava as dificuldades que as famílias tinham de produzir e aí começou se observar e estudar objetivando dar um melhor rumo a essas idéias. Começamos a vê como é o clima da região, o que precisa fazer para produzir melhor, mesmo numa época em que os governos falavam muito em combater as secas e, onde vimos que não é possível se combater as secas, sendo possível conviver melhor com este clima que nós temos…
D R – Com todo esse trabalho de organização e hoje já fazendo parte de um modelo sustentado de produção, já se percebe uma mudança na qualidade de vida dos agricultores e agricultoras?
E C – Percebe-se sim, basta a gente olhar nas comunidades onde eles acompanham o trabalho a certo tempo. Percebemos que eles já têm uma visão diferente, encontram alternativa em suas regiões com sustentabilidade sem ter que sair para os grandes centros como era antes. É muito comum em nossa região as famílias trabalharem sem nenhuma sustentabilidade em razão do modelo agrário concentrador… Essas famílias estão encontrando modelos de produção para conviver nesta região, dentro de um modelo diversificado de produção onde a família pode escolher qual o tipo de cultura e tipos de criação animais que melhor se adaptam a região… A partir do memento que ela tem uma produção mais apropriada surge a pergunta do que ela pode fazer para agregar mais valor através de beneficiamentos. Nosso trabalho passa também pelas questões políticas, onde começam a discutir, cobrar e ir atrás daquilo que realmente vai dá sustentação e garantir a continuidade de atividades no município, na comunidade e na região cobrando por parte de seus representantes propostas mais sustentáveis, evitando as propostas eleitoreiras, dando prioridade e atenção as ações realmente sustentáveis.
D R – Nós estivemos em parceria com as organizações sociais aqui do Estado, visitando comunidades no semi-árido baiano e, visitamos o Ricardo na comunidade Baião no Município de Pilão Arcado… Ele fez denúncias fortes de perseguição por parte de políticos locais contra as campanhas pela qualidade da água de beber desenvolvidas pela Diocese de Juazeiro-BA em parceria com as comunidades. Isto ainda continua acontecendo?
E C – Continua acontecendo porque as pessoas que fazem política dentro dessas práticas seculares de concentração de poderes começam a fazer sempre alguma coisa para inviabilizar nossas ações, só que a comunidade já começa a perceber um novo modelo de organização e libertação, cortando o elo de ligação dependente da comunidade com esse tipo de político local. Um bom exemplo é a comunidade que vocês visitaram em Pilão Arcado que viveram momentos semelhantes, mas a comunidade começou a construir estruturas básicas de sobrevivência com cisternas e outras ações e portanto sofreram todo tipo de perseguição.
D R – Com relação a concentração da terra, o latifúndio, como está o sertão da Bahia?
E C – Muitas terras ainda estão concentradas, onde os agricultores trabalham em fundo de pasto, um modelo onde as famílias trabalham, moram e cultivam essas terras sem direitos e segurança. As pessoas começaram a se organizar e lutar pelo título da terra por perceberem que eram terras devolutas, terras da união… Como ainda existem muitas pessoas querendo o direito a essas terras, então acontecem os conflitos… Muitos fazendeiros se apossam dessas terras, cercando 5 mil, dez mil hectares com família e tudo e em seguida começam a expulsar essas famílias começado os fortes conflitos em razão da resistência motivada pela conscientização dessas famílias, impedindo que grileiros se apossam dessas áreas. A prática do latifúndio existe na Bahia com milhares de hectares cercadas e, enquanto isso, as cidades estão cada vez mais crescentes em razão da perda da terra por parte dos agricultores familiares, tendo que trabalhar e morar em condições subumanas…
D R – …A Cultura do umbu é mesmo uma referência importante no Estado da Bahia?
E C – Realmente, o umbuzeiro é uma cultura nativa do semi-árido brasileiro. No resto do mundo não existe umbuzeiro, então, é uma cultura nossa que se adapta muito bem as condições climáticas de nossa região… cultura que existe desde os primórdios deregião, mas que não existia tanto conhecimento sobre essa cultura… Euclides da Cunha já reconhecia a importância do umbuzeiro para o ser humano e para os animais… Hoje temos uma forte parceria com a Embrapa semi-árida e estamos desenvolvendo diversas experiências junto aos agricultores familiares… mesmo com pouca chuva o umbu produz e se o ano é realmente bom então, melhor ainda é a produtividade. Ela supera as diversas culturas de nossa região graças a sua adaptabilidade ao nosso clima…
D R – Nós em parceria com as organizações de agricultores visitamos a Embrapa semi-árido em Petrolina-PE e, o pesquisador Nilton de Brito falou sobre a agregação de valor que o produto do umbu vem recebendo em todo o sertão da Bahia… Ele falou da parceria existente entre a empresa de pesquisa e as organizações não-governamentais e de agricultores. A Embrapa -CPTSA é tida pelas organizações como grande parceira?
E C – A Embrapa é uma instituição que está situada aqui em Petrolina-PE e tem uma atuação em todo a Região semi-árida. Vem desenvolvendo pesquisas que viabilizam a produção na região semi-árida com atenção voltada para os projetos com irrigação mas também tem essa parte da pesquisa das áreas de sequeiro e, o umbu tem sido uma cultura pesquisada ao longo desses anos, comprovando a viabilidade econômica que se tem nessas condições de clima aqui da região do semi-árido… A Embrapa pesquisa essas viabilidades e as organizações divulgam esses trabalhos, fazendo com que esses conhecimentos cheguem até as comunidades rurais e as famílias de agricultores… fazemos o papel de intermediadores, levando as pesquisas existentes no interior da Embrapa e discutindo com as famílias de agricultores, implementando essas pesquisas nas comunidade.
D R – Em contato com nossos ouvintes através da rádio serrana, ele falou da agregação de valor, que fez com que a saca de umbu que antes era vendido ao preço de aproximadamente 10 reais e, com a agregação de valor essa mesma saca do umbu passasse a ser vendida ao preço de 135 reais. Isso dá uma nova perspectiva a agricultura familiar, associado a resistência da cultura ao clima regional?
E C – Isso é o que a gente vem discutindo com as famílias, porque o umbuzeiro tem uma produção muito grande em qualquer região do semi-árido… Na maioria dos casos o umbu se perde, sendo comercializado em poucas comunidades, em feiras, estradas e ao atravessador para utilização na indústria… Esses produtos são vendidos por preços muito baixos… e geralmente não compensa aos agricultores que levam tanto tempo para colher esse produto durante um dia todo… Então, nossa discussão com os grupos de agricultores é no sentido de está agregando valor a essa produção, passando a beneficiar o umbu. Ao invés de vender um umbu in natura, as famílias começam a processar, fabricando doces, geleias, sucos e, desta forma trabalhando a venda desse produto fora de época, vendendo com a vantagem da chamada lei de oferta e procura…
D R – O produto conserva bem por quanto tempo, mesmo sem a utilização de geladeiras e conservastes?
E C – Essa á a grande vantagem que as famílias têm em seu favor. Seguindo os padrões de higiene, o produto pode ser guardado por até um ano e meio nas condições que a família tem.
D R – Essas ações, partem das experiências dos próprios agricultores?
E C – Toda pesquisa na verdade tenta melhorar aquilo que a comunidade vem fazendo…são práticas seculares que as famílias já faziam, já trabalhavam. A diferença é que agora temos o papel de melhorar, tanto o processo de fabricação, sabor, durabilidade e outras agregações de valores quanto a ampliação de uma linha de produtos a ser produzidos dentro de um processo de higienização, sem que use energia elétrica e qualquer aditivo químico para sua conservação…
D R – A quanto tempo está sendo trabalhado o beneficiamento da cultura do umbu?
E C – Esse trabalho começou a cinco anos passados, quando passamos a discutir com um grupo de mulheres, numa perspectiva de gerar alimentos para essas mulheres e suas famílias. De início, era guardar o produto para alimentar os componentes da família mesmo fora de época, porém depois fomos ampliando até que conseguimos produzir excedentes que passam a ser geradores de renda para essas famílias.
D R – A compra do produto por parte da Conab representa o reconhecimento do governo em prol da luta dos agricultores e agricultoras do Estado da Bahia?
E C – Esse é um programa que foi criado no ano passado em lei instituída pelo presidente Lula e possibilita a compra de produtos da agricultura familiar para o estoque de alimentos do governo. Esse produto pode ser adquirido diretamente com as famílias na zona rural ou através de uma organização, onde as pessoas de forma organizada estão vendendo o produto do umbu. Já foi feito duas vendas do produto do umbu para a Conab… Em amplas discussões com os técnicos da Conab, fizemos vê que em nossa região não temos um potencial para a produção de milho, feijão e alguns outros produtos e, desta forma, apresentamos nossa experiência com umbu, caprino e outros produtos. Então, foi fechado um contrato com a Conab, onde os agricultores receberam o dinheiro de forma antecipada para compra dos produtos necessários para a produção. Hoje diversas mães de família estão empenhadas no trabalho para entregar 60 mil quilos de produtos para a Conab, conforme o combinado… As famílias vão entregar diretamente na prefeitura para que sejam utilizados nos programas sociais tipo hospitais, creches, escolas, programa Fome Zero e outros…
D R – Qual o preço alcançado pelos agricultores junto ao governo?
E C – A Conab paga o preço de mercado…só que no caso do umbu não tínhamos uma referência para determinar um preço, de forma que a comunidade sugeriu um preço tomando como base a relação custo/benefício e os preços ficaram em média quatro reais o quilo: o suco está sendo comercializado a R$ 1,50 a garrafa de 500ml, a geleia a R$ 4,00, 00 o quilo e assim sucessivamente. As famílias estão colocando no mercado um produto em embalagens em tamanhos diversificados, dando opção ao consumidor. O trabalho toma hoje uma forte dimensão, de forma que o grupo já criou uma cooperativa de famílias com o objetivo de beneficiar e viabilizar o venda do produto. Essa é a única unidade beneficiadora de umbu do mundo, trata-se da Coopercuc, Cooperativa Agropecuária Familiar que compreende as cidades de Canudos, Uauá e Curaçá na região próximo a Juazeiro… Temos outras regiões que formam grupos de beneficiamento e produção de umbu…Queremos, sobretudo, criar uma conscientização de produção sustentável que pense o equilíbrio das famílias e do meio ambiente, onde cada família em parceria com as organizações e a Embrapa já estão repovoando a região com o plantio de umbuzeiros.
D R – Em que altura está a safra aí no Estado da Bahia?
E C – Aqui na Bahia estamos quase no final da safra. Este ano tivemos uma produção com época muito diversificada, pois, com o atraso das chuvas a produção começou mais tarde de forma que temos uma região no meio e outras já no final…
D R – Desde o mês de novembro do ano de 2003, estamos sistematizando nossas informações através do Informativo Estúdio Rural e repassando para quase 1. 500 leitores que compreendem representações de agricultores, governos, não-governamentais, pesquisas, extensão, educação, imprensa e outras. O IRPAA está recebendo e qual sua avaliação?
E C – Nós recebemos sim estas informações e, já temos em nosso escritório uma lista de e-mails Informativos recebidos de vocês. Essas informações têm uma importância muito grande para nosso trabalho, onde a gente divulga também essas informações que recebemos de vocês, por entender a importância dessa troca de experiências, claro que a gente não desenvolve pesquisa, mas sim trabalhos e divulgamos experiências sustentáveis de instituições, famílias e de comunidades, então essas experiências recebidas de vocês a gente utiliza também em nossos trabalhos e divulgamos também para as comunidades. Essa tem sido uma prática nossa, a de está socializando as experiências que vem dando certo em todo o semi-árido brasileiro…

Domingo Rural evidencia transmissão feita direto da Bahia sobre beneficiamento do umbu.
Neste domingo(21 de março de 2004) Domingo Rural evidenciou a participação dos agricultores paraibanos em um curso realizado no mês de março do ano passado(2003), na cidade de Remanso, sertão baiano, no qual participaram agricultores e agricultoras das cidades de Cabaceiras, Queimadas, Soledade, Lagoa Seca, Remígio, Solânea, Casserengue e outras cidades do Cariri, Curimatau, Médio Sertão e Brejo da Paraíba.

O curso que foi ministrado pelos assessores técnicos do SASOP, Serviço de Assessoria às Organizações Populares Rurais, Janete Silva Ferreira e Ivonaldo Nepomuceno Ferreira teve por finalidade mostrar e expandir as técnicas utilizadas pelos agricultores baianos no beneficiamento do fruto do umbu, capaz de ser conservado por cerca de 18 meses sem geladeiras, corantes e ou conservantes.

Durante Cinco dias o Domingo Rural transmitiu com reportagens especiais mostrando para a Paraíba e Rio Grande do Norte o que é possível ser feito com o fruto do umbu.

Fonte : Informativo Stúdio Rural / Programa Domingo Rural Veiculado em 21 de março de 2004.
Foto : Embrapa Semi-árido

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